O evento Brasil em Código, da GS1 Brasil, realizado nesta quinta-feira (5 de julho de 2018), em São Paulo (SP), reuniu especialistas e representantes de empresas para discutir o tema Indústria 4.0. Foram horas de palestras e debates, que revelaram muitas incógnitas quanto aos efeitos do que está sendo chamado de Revolução 4.0. Houve, no entanto, um claro esforço por parte do representante da Deloitte Brasil, Ronaldo Fragoso, de dar um tom positivo e tranquilizador para as transformações em curso nas empresas e na sociedade global, como se houvesse mais certezas do que dúvidas quanto ao destino dos seres humanos como integrantes do processo produtivo.

Fragoso foi taxativo ao dizer que não acredita que haverá bilhões de pessoas inúteis nos próximos anos, devido à automação acelerada da produção e dos processos de produção, e do controle e distribuição de mercadorias. No entanto, seu ponto de vista parece um pouco exagerado – e até romântico -, se comparado ao de estudiosos como Yuval Noah Harari, historiador e pesquisador israelense, que escreveu os livros Sapiens e Homo Deus, e que prevê uma substituição acelerada dos seres humanos por máquinas inteligentes em atividades que atualmente geram empregos.

São posicionamentos extremos e opostos, porém, diante do processo de evolução e uso da Computação Cognitiva, da Inteligência Artificial e da Automação Generalizada, torna-se quase que uma utopia imaginar que grande parte da Humanidade terá presença útil no que convencionamos chamar de mercado de trabalho.

A “Produção conectada pela Indústria 4.0 – O futuro é agora” foi o título da palestra de Carlos Santiago, COO da Mercedes-Benz do Brasil. Segundo ele, a empresa está trabalhando para não se tornar uma Kodak ou uma Blockbuster (antiga locadora de fitas de vídeo), empresas que desapareceram devido aos avanços tecnológicos, respectivamente, da fotografia digital e de sistemas de distribuição de filmes como a Netflix e o Youtube. Não é de hoje que os mencionados cases de insucesso da Kodak e da Blockbuster tiram o sono de executivos.

Talvez passar as noites em claro não seja o suficiente. Santiago apontou uma série de iniciativas que a empresa vem tomando rumo à automação acelerada, ao desenvolvimento de projetos de carros autônomos, destacou a preocupação com os seres humanos, sem mostrar como estes serão realmente úteis ou indispensáveis, no futuro, como trabalhadores.

Pela Tetra Pak, Fernando Caprioli, diretor de vendas e serviços da companhia, falou sobre “Indústria 4.0 aplicada ao setor de alimentos e bebidas”. Para ele, também há uma transformação bastante intensa acontecendo nos meios de produção. Caprioli mostrou as iniciativas de sua empresa rumo à tal Revolução 4.0 e, concretamente, mencionou os seres humanos somente como consumidores. No que se refere ao trabalho, a impressão é de que cada vez menos pessoas serão necessárias no decorrer dos anos. Logicamente, não foi esta uma mensagem objetiva, mas subliminar.

Outra palestra, “Inovações voltadas à Indústria 4.0″, de Daniel Scuzzarello, diretor de desenvolvimento de portfólio na Siemens PLM América do Sul, focou os impactos da mecanização, automação, inteligência artificial, e, assim como nas outras apresentações, revelou inconsistência na hora de mostrar como o ser humano será empregado neste futuro tão próximo. Ficou evidente que há muitas dúvidas e, mais uma vez, foram lembrados os casos da Kodak e da Blockbuster, como algo a se evitar. Assim, a preocupação com a marca continua na frente da preocupação com os seres humanos.

Logo em seguida, todos os quatro palestrantes foram reunidos em um painel de discussão, no qual, novamente, Fragoso repetiu que não acredita que haverá bilhões de pessoas inúteis nos próximos anos. Os outros palestrantes não comentaram esta ideia, nem para aprovar e nem para discordar, demonstrando que o tema gera dúvidas sinceras e não a certeza que o sócio da Deloitte tentou transmitir.

Comentário: aprendi, quando criança, que quando alguém se esforça para não ver algo evidente está tentando “tapar o sol com a peneira”. Só saberemos em mais alguns anos, mas provavelmente o sol já está queimando a nossa pele.