Por Francisco Camargo*
Na era digital, dados, metadados, sejam eles pessoais ou não, são as novas matérias-primas da economia. Coletá-los, minerá-los, transformá-los em informações úteis, nos vários campos da ciência, da economia, da vida quotidiana, gerarão as cadeias de valor do futuro.
Os exemplos são muitos e já onipresentes na nossa vida. Metadados oriundos de milhares de carros, por exemplo, como localização e velocidade permitem aos motoristas aperfeiçoarem seus trajetos e melhoram o fluxo do tráfego nas grandes cidades.
O livre fluxo de dados permite e permitirá ao Brasil acessar e continuar acessando, desenvolvendo e exportando tecnologias e serviços de ponta, colocando o país nas novas cadeias de valor mundiais, não só no mercado global de Tecnologia da Informação e Comunicação, mas em todas as atividades econômicas.
A inovação e a competitividade das empresas brasileiras dependem cada vez mais do livre fluxo de dados, que tem o processo construído em cima de uma ampla e complexa arquitetura global que coleta, armazena, trata e transfere dados globalmente.
Discute-se no Brasil o sério problema da Privacidade dos Dados Pessoais, e o Brasil tem que fazer algumas escolhas.
As mesmas pessoas que pedem mais privacidade divulgam toda a sua vida pessoal nas redes sociais, não querem que seu smartphone colete dados da sua localização geográfica, mas, em seguida, quando estão no trânsito, pedem a ajuda de aplicativos que dependem justamente dessas informações.
Privacidade depende de vários fatores, o primeiro é a transparência de quem está coletando os dados: precisa estar claro no “contrato” entre o usuário e as empresas quais dados estão sendo coletados e com quem serão compartilhados.
O segundo é a segurança dos dados, que vai desde a coleta, armazenamento e compartilhamento. A empresa que coleta os dados precisa estar em conformidade com regulações nacionais, mundiais e mesmo privadas, como o PCI, que é a Norma Mundial Privada para a coleta e armazenamento de dados de Cartões de Crédito.
A privacidade, antes de tudo, visa limitar a possibilidade do roubo de identidade, depois proteger a intimidade das pessoas.
A maior parte dos casos que aconteceram no Brasil tem origem nas próprias “vítimas”, que se deixaram flagrar em momentos de intimidade ou descortinaram sua localização e atividade presente e futura em sites de mídia social.
No Brasil, o número de identificação mais importante para o cidadão, o CPF, está exposto, não criptografado, não mascarado, na internet. A falta de norma brasileira sobre a proteção de dados prejudica o cumprimento de qualquer outra norma de privacidade que venha a ser adotada.
Dito isto, voltamos à inserção do Brasil no fluxo mundial de dados, cuja restrição sem critérios objetivos enfraquecerá o setor produtivo no que diz respeito à inovação e competividade.
Restrições brasileiras ao fluxo de dados, pelo princípio da reciprocidade, gerarão restrições de outros países ao mesmo fluxo.
Um exemplo disso é como será afetada a “computação em nuvem”, serviço de processamento e armazenamento de dados oferecido por acesso remoto, que se passa em escala global. Só a nuvem consegue escalar muito rapidamente as necessidades de armazenagem e potência de computação a preço baixo.
Um exemplo é o processamento de notas fiscais, em que um dos associados ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), que processa 500 mil notas por dia, teve a grata surpresa de, no Black Friday, ver sua demanda atingir 2 milhões de notas fiscais no dia, e a infraestrutura de computação em nuvem acompanhar instantaneamente esse aumento de demanda.
Os serviços públicos também terão interferência direta, pois a limitação do fluxo de dados também pode prejudicar a inovação e a melhoria de oferta. Nessa categoria podemos encaixar aplicativos como Uber, Waze, Google, que dependem do compartilhamento e tratamento de dados.
Estudo feito pelo European Centre For International Political Economy (ECIPE) estima que essa alteração na dinâmica do fluxo de dados poderia reduzir o crescimento do PIB global em até 2%. Já no plano local, tem potencial de diminuir o PIB do Brasil em cerca de 1%, surtindo efeito direto nos setores que dependem desse livre fluxo.
No que diz respeito ao desempenho econômico nacional, outro impacto ocorrerá na exportação de serviços de TIC, que gerou cerca de US$ 2 bilhões em 2016, de acordo com dados do Banco Central.
Uma das discussões atuais no Brasil é se a nossa legislação deve se aproximar da adotada pela União Europeia, que limita o livre fluxo de dados pessoais a países que adotam a norma europeia ou da americana, com muito menos regulações e entraves.
A escolha da estratégia correta é fundamental para o Brasil.
Os EUA são hoje o maior parceiro comercial do Brasil, responsáveis por 46,8% da compra de serviços e aplicações tecnológicas. Uma possível solução seria as adoções de cláusulas padrão mínimas, que nos permitam continuar operando com os EUA e, ao mesmo tempo, abrir as portas do mercado europeu.
Defender a manutenção do livre fluxo de dados significa seguir no caminho do desenvolvimento sustentável global, baseado na economia de serviços, geradora de riqueza e prosperidade para os povos. Nesse contexto, o estímulo de boas práticas para a proteção de dados pessoais, transparência e segurança, deve ser objeto de esforços multilaterais ou pluriregionais.
A ABES começou a iniciativa Brasil Pais Digital justamente para discutir esse e outros assuntos de interesse da economia digital, à qual aderiram muitas entidades da sociedade civil e que explica, em termos não técnicos, para a população em geral, os grandes dilemas tecnológicos pelo qual passamos: www.BrasilPaisDigital.com.br
*Francisco Camargo é Presidente da ABES
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